O Pelourinho das Pessoas e as Pessoas do Pelourinho
O Pelourinho das Pessoas
e as Pessoas do Pelourinho
Do Leal, gente simples e trabalhadora que nos trazia as notícias da capital, “atão a que horas chega o comboio”- era a pergunta que ele mais ouvia,
do Mestre Abílio que com sua simpatia nos enchia de histórias apimentadas contadas com um espírito de humor inigualável, histórias essas, algumas verídicas e outras que ele criava e que nos divertiam muito,
do Cassapo sempre com novos e divertidos factos pra contar,
do senhor Manuel Gravateiro sempre sorrindo a oferecer as suas gravatas que carregava num grande cabide a tiracolo,
da menina Mariazinha da Tabacaria que nos vendia o macito de SG Filtro que tenteávamos a semana inteira e onde fazíamos o Totobola que nos fazia sonhar,
do Valério que nos vendia o fartabrutos ou a barquinha de ananás dependendo da fome que tínhamos ou do volume de moedas no bolso,
do senhor Manel David, onde a mãe nos mandava a comprar um metro de nastro e uma dúzia de botões,
do Teixeirinha que com o seu inseparável cigarro no canto da boca, palmilhava aquelas arcadas dezenas ou até centenas de vezes por noite,
do senhor Chico, do senhor Celestino, do Jeremias,
do senhor Fonseca, do senhor Alves, que sempre simpáticos nos serviam o carioca de limão, a bica ou o fino dependendo da idade e da estação do ano,
do chef Ribas de quem dependíamos para degustarmos aos domingos, o inesquecível arroz à valenciana,
do polícia sinaleiro que com gestos elegantes e sentindo-se todo importante, organizava o trânsito que não era muito, mas era o que se podia arranjar,
dos jovens que desfilavam os seus possantes porsches e coopers e que nos incutiam a ambição de um dia termos também um igual,
dos mirones encostados às grades da Lisbonense,
do senhor Joaquim que aos domingos nos deixava os sapatos reluzentes,
do Falcãozito a puxar-nos as blusas e a fugir pra baixo das arcadas,
do senhor Leandro e do senhor Amândio da Drogaria Pedroso, que mesmo aos domingos nos atendiam prontamente por um postiguinho,
do senhor Romano que fornecia a cidade da melhor alheira que havia, do amigo Dias, que no
Montalto levava os dias a devorar livros e mais livros junto com o Arraiano que tinha o sonho de revolucionar a matemática e passava o tempo a resolver intermináveis teoremas,
do senhor Cipriano dos Correios que a todos ajudava com presteza e simpatia,
do senhor Bonina grande covilhanense ,
do senhor Artur sempre dedicado ao seu Montalto,
do turista que chegava da serra com o carro cheio de neve,
do senhor Ribeiro dos tabacos,
do Zé Hermínio que expunha na montra da Casa Leão os skis que eram o nosso sonho de consumo, das meninas que chegavam de excursão de outras cidades e nos punham o coração a bater mais forte,
do meu pai e dos seus bons e velhos amigos e suas intermináveis conversas, das minhas inquietantes esperas para ir ao Santos Pinto ver o meu Sporting da Covilhã e meus ídolos, do Humberto das cautelas, vendedor de sonhos,
do Samarra, do Cinco Réis, e de nós que ali ficávamos horas e horas à conversa...o característico “vá atão” era dito dezenas de vezes, antes de arredarmos o pé pra casa, pois a cada “vá atão” sempre vinha mais uma história...
E pronto...essas eram algumas das pessoas que faziam do Pelourinho uma praça cheia de vida, de diálogos. Era assim o Pelourinho de antigamente, feito de gente...gente boa...e é desse que guardo grandes recordações na memória...
As arcadas da Câmara,
o Montalto e sua esplanada de guarda-sóis coloridos,
o Teatro-Cine, os Correios,
a Tabacaria, a Lisbonense,
a Ideal da Beira, a Bijou,
o Montiel, a Drogaria Pedroso,
a Mercearia do Romano,
o Solneve e a Igreja da Misericórdia eram só o cenário do palco onde se encenava a grande peça do quotidiano...e onde os atores éramos todos nós que cada um com seu papel, tão bem representávamos para lhe dar a vida que ele tanto merecia...
(Texto de Paulo Pimentel)
11 de Maio de 2018